sábado, 5 de maio de 2012

O romântico de Arapoti


-Jc Fernandes

Cosme Valmir Rodrigues dos Santos é um homem de natureza melancólica. Tivesse nascido no século 19, seria um romântico à moda Casimiro de Abreu. Vivesse na primeira metade do século 20, beberia Françoise Sagan on the rocks. Mas nasceu em 1984, em Arapoti, nos Campos Gerais, numa família de poucas letras e pouca ciência para lidar com os labirintos da alma. Seria ele um sentimental por causa da morte do irmão gêmeo, Damião, ainda bebê?
Cosme sem Damião. Faltava algo no juízo daquele guri. No futebol, era sempre o enjeitado das peladas, o reserva da Suburbana. No amor, idem, mostrava-se um gandula – bola, só para os outros. Sua falta de sorte com as gurias ficava ainda mais evidente diante do melhor amigo, Sandrey, esse sim boa-pinta, boa-praça, bom papo. Um craque.
Do exercício diário de fugir dos cachorros, bater palmas nos portões e entregar cartas, vejam só, nasceu o ficcionista. O primeiro romance teve de ser escrito à mão, quiçá apoiado no malote da correspondência. Chama-se Antônio – o valor de um homem desprezado. Tem todos os ingredientes da prosa adolescente: um menino e uma menina se encontram num banco de praça e juntos saem pelo mundo, fazendo o bem.Aos 14 anos de idade – já se sentindo com cem anos de solidão – Cosme se empregou como carteiro. Foi quando o milagre se deu. Diante dos envelopes verde e amarelo, imaginava como seriam as remetentes. Se belas. Se apaixonadas, o peito arfante ao selar as mensagens, ai. Ficou conhecido como “o romântico do Colégio Rui Barbosa”.
Na vida como ela é, a garota custou a aparecer, mas Cosme se tornou um pouco à imagem e semelhança do personagem Antônio. Aos 17 anos, fez-se voluntário numa chácara que ampara dependentes químicos. Aos 18, caiu na estrada e virou trecheiro, nome dado aos trabalhadores braçais que zanzam pelo país fazendo o ofício que lhe oferecem, dormindo onde der, comendo marmitas e o que cai das árvores. Perambulou em seis cidades diferentes, experimentou o vento no rosto, conheceu o amor e descobriu ser um exímio encanador. Não lhe faltaria o pão de cada dia.
Assim tem sido. Durante o expediente, ocupa-se de tubos e conexões. À noite, escreve poesias e um novo romance, sempre na cozinha da meia-água onde mora com a mulher, Michelle, e os dois filhos, na vila Vitória Régia, CIC. Os textos ficam meticulosamente arquivados em pastas suspensas, guardadas em cestas de frutas, como aquelas da Ceasa. São vigiadas pela cachorrinha Tica, uma guapeca de pernas tortas.
Depois de tantos corridões recebidos das editoras de livros, o encanador desistiu de publicar. Seu sentimento se tornou o mesmo da época em que não o chamavam para o futebol: o poeta é um rejeitado. Mas eis que, meses atrás, viu-se de novo pirilampo feito o menino carteiro de outrora. Ao prestar serviços numa residência, contou à dona que rabiscava uns versos e coisa e tal. Em vez de soltar um “ahã, mas não me atrase a obra”, a mulher espocou um flash: “Traz pra eu ver?” A dona era a fotógrafa Vilma Slomp, que mostrou os escritos para o marido, o também fotógrafo Orlando Azevedo, que, emocionado, contou para mim, que agora fofoco para vocês.
Cosme soma cerca de 600 poemas. São versos ensimesmados, escritos à maneira de um diário, ao som de Bruno & Marrone. Tratam da solidão e das mágoas, mas também do cotidiano e das atitudes camaradas que podem nos salvar das migalhas e dos antidepressivos.
Tenho cá para mim que esse moço traduz em poesias aqueles queixumes ingênuos que fazemos no ombro alheio. Lê-las é como se pôr diante do espelho. Nos fazemos de fortes, como mandam esses tempos arrogantes, mas sabemos que somos parecidos ao Cosme. Algo nos falta. Chamam a isso de ausência ou desejo. Os parentes dele chamavam de Damião, o outro. Bem tinham razão.

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